“O Hétero” de Zé Wendell está cotado para programação do 44º Festival de Inverno de Campina Grande
- Abarca Cultural
- 27 de jul. de 2019
- 6 min de leitura
Atualizado: 10 de mar. de 2020
A peça conta a saga do nordestino “Fulano de Tal” que segue Brasil afora em busca de aceitação e autoconhecimento

Por: Cristiane Albuquerque
Escrito e encenado pelo paraibano Zé Wendell, o monólogo “O Hétero”, narra a estória de um herói nordestino (artista “cabra da peste”) que deixa sua terra natal em Cacimba de Dentro para se embrenhar pela “hollywood brasileira” da cidade do Rio de Janeiro. O espetáculo que estreou na capital fluminense entre 25 de maio e 29 de junho (no Teatro Café Pequeno) está cotado para fazer parte da programação do 44° Festival de Inverno de Campina Grande confirmado para meados de agosto.
Em seu primeiro trabalho autoral Zé reúne elementos de gêneros variados para construir um enredo ácido e bem humorado que (através das aventuras e desventuras do protagonista Fulano de Tal) aborda o debate sobre o papel do artista brasileiro na sociedade contemporânea. Com foco na absorção dos profissionais da arte pelo mercado, o autor destaca a influência da indústria televisiva na formação e naturalização de arquétipos.
De acordo com Zé devido a conjuntura político/econômica do atual cenário brasileiro (“orientado por um governo insano que claramente menospreza o papel do artista e da arte”), para a montagem do monólogo, por não conseguir patrocínio, o "dramaturgo de primeira viagem" resolveu "arregaçar as mangas" e reunir um grupo de profissionais gabaritados para recorrer ao financiamento coletivo através de uma benfeitoria.

“A necessidade de sobrevivência me levou a escrever este texto para resistir ao mal e existir como artista. Eu precisava me expressar. Falar ao mundo através das várias facetas idetitárias que me constituem. O que eu proponho na verdade é destacar a busca pelo autoconhecimento. Porque a sociedade de consumo padroniza, rotula, faz você seguir pela vida como gado. E tudo que foge do que é imposto como normativo é relegado ao subgrupo dos marginalizados”.
Nessa investida o personagem Fulano de Tal, assim como Zé Wendell, eu ou você (bem como tantos outros “fulanos de tal” circulando por aí ao nosso redor) vem representar o brasileiro anônimo (heroicamente comum) que vive e luta, a cada dia, não somente pela necessidade de sobrevivência, mas pela busca de reconhecimento e autoafirmação em meio a “uma sociedade massificada e perversamente subjugada”.
Nas palavras do autor o “O Hétero” é uma piada que atravessa a narrativa cênica com o auxílio da musicalidade da rima de cordel "na intenção de brincar com as convenções e os padrões sociais".
E com diria o “Fulano de Zé" em certo trecho do texto:
“Eu sou um qualquer
Qualquer um
Excepcionalmente comum
Como um desses aventureiros românticos em busca das glórias e das paixões desse mundo.
Uma espécie de Dom Quixote da Caatinga
Muitas das vezes confundido com um ...
(Entra um som em ritmo de xaxado)
Pobre
Coitado
Lerdo
Demente
Desvairado.
Filhote de urubu
Calango
Desdentado
Sibite baliado
Meio afrescalhado.
Bicha
Bicherréma
Louco
Drogado.
F...dido
E mal pago.
(...)
É tanto elogio que se eu fosse acreditar já teria surtado.
Esta é uma obra de ficção fantástica. Um gênero nunca dantes estudado, mas por alguns reles mortais vivenciado. Portanto, qualquer semelhança é mera coincidência” conclui o personagem Fulano de Tal em "O Hétero".

Dirigida por Alice Steinbruck o monólogo é performatizado por meio de uma “partitura surrealista” que procura traduzir cenicamente a audaciosa jornada do herói anônimo em busca de si (através de um limiar tênue entre realidade e fantasia).
“O diálogo com a direção foi muito bacana porque Alice é muito criativa, inteligente e tem muita referência boa. Eu fiquei muito à vontade. Ela me ouviu bastante. Foi um trabalho generoso. Quando eu comecei a atuar como ator parecia que o texto não era mais meu. Procurei me desprender da figura do autor e deixar a direção fazer seu trabalho. A direção dá vida ao texto. E ela me ouvia também. É parte do projeto ser assim, um projeto independente. Foi um processo muito criativo” conta Wendell.
Zé iniciou sua carreira como ator na cidade de Campina Grande (para onde se mudou com a família ainda na infância). Após algumas experiências nas artes cênicas durante o Ensino Médio (em apresentações na escola) fez um curso de iniciação ao Teatro Amador no SESI-CG, sendo posteriormente convidado pela companhia ministrante, o Grupo de Teatro Heureka, para compor a equipe de atores. Na sequência reuniu-se a outros jovens talentos para formar o Satyricon, uma companhia de teatro que se destacou no cenário campinense dos anos 2000 com a popular “série” Homo Erectus, dirigida por Flávio Guilherme.

“Tudo que é inovador tem a ver com atitude. Acreditar nas ideias. O Homo Erectus era uma coisa muito nossa. A gente teve a ideia de fazer toda semana um episódio novo. E era algo diferente no teatro. Era uma comédia que já tratava do tema LGBT - na época chamava de GLS. E era uma peça que tinha criança e idoso na plateia. Não tinha palavrão. Era uma comédia de situação, uma sitcom que é um gênero americano em formato de série de tv. Então era tipo uma sitcom misturada ao Sai de Baixo. Um misto de coisas. E a gente teve que produzir. Foi a primeira produção que eu fiz na minha vida. Tinha essa garra da gente. A gente queria muito fazer e era muito bom. Era tudo muito prazeroso. Mas depois Campina foi ficando pequena. Ou a gente continuava como uma Companhia ou seguia pra os grandes centros” relembra.
No estado do Rio de Janeiro Zé viveu por um ano no município de Angra dos Reis onde produziu dois espetáculos na parceria dos companheiros de Campina Grande (Júnior Dantas, Adrén Alves, Angela Lemos e Diogenes Vidal). Na “hollywood brasileira”, a tão sonhada cidade do Rio, Wendell desembarcou em 2005 para cursar Artes Cênicas na UniRio. Ao término da graduação ingressou na Companhia Omondé (que havia acabado de se formar) permanecendo nela até os dias de hoje.

“Ganhei dinheiro fazendo teatro, especialmente através dos editais. Tinha investimento pra isso. Agora entramos na fase de cada um cuidar de si. Por isso que eu resolvi me produzir. Por outro lado, entendi que a Companhia (Omondé) não ia dar cabo da minha criatividade. Ela me dá oportunidade de trabalho, de aprendizado, de conhecer profissionais renomados. A gente tem um trabalho muito bacana, mas eu sempre senti a necessidade de desenvolver o meu próprio trabalho. De colocar as ideias pra fora, de dar um formato”.
Nas palavras de Wendell mais que dar vasão a sua criatividade de autor “O Hétero” foi concebido como uma espécie de “grito” performatizado por um artista que “teima em continuar existindo em um país que parece caminhar para o precipício do retrocesso”. Assim como Fulano de Tal (que na busca pelo autoconhecimento foi tragado pela dura realidade de um país repleto de contradições) Zé segue através de sua arte na busca por si mesmo “como um brado de resistência”.
“Resistência. Esta é a palavra. Precisamos resistir. É preciso ter coragem e esperança. Acreditar na vida. Acreditar nas pessoas. Acreditar na mudança, no poder de mudança. Continuar acreditando em si mesmo e no outro é essencial porque senão é a morte. E tudo que eu aprendi no teatro remete a essa liberdade. A liberdade de ser, de poder, de acreditar. O que não podemos é deixar que castrem a nossa esperança. Precisamos resistir sempre e lutar. A arte é uma das melhores armas que temos” desabafa.
Inscrito para o Festival de Inverno de Campina Grande que acontece no próximo mês de agosto, “O Hétero” aguarda o aval da comissão julgadora do evento. “Cruzemos os dedos” então para nos encontramos com o destemido herói da caatinga, Fulano de Tal, que em sua surpreendente narrativa de autoconhecimento, de uma forma ou de outra, se aproxima de cada um de nós, brasileiros e brasileiras, todos "personagens" de um mesmo espetáculo (performatizado "às margens plácidas" de um país que clama por um grito de liberdade como um ato de resistência).
FICHA TÉCNICA DE “O HÉTERO”:
Texto e atuação: Zé Wendell
Direção: Alice Steinbruck
Direção de Produção: Zé Wendell
Produção Executiva: Andrea Menezes
Iluminação: Ana Luzia de Simoni
Figurino: Ticiana Passos
Cenário: Mina Quental
Visagismo: Márcio Mello
Direção Musical: Marcelo Alonso Neves
Programação Visual: André Senna
Assessoria de Imprensa: Marrom Glacê Assessoria – Gisele Machado & Bruno Morais

José Wendelll Soares é bacharel em Interpretação pelo curso de Artes Cênicas da Unirio-RJ (2004-2009). No início dos anos 2000 integrou a Cia Heureka – Pb; o Balé do Teatro de Campina Grande – Pb; e a Cia Satyricon – Pb. Foi professor de teatro pela prefeitura de Itaguaí-RJ, onde trabalhou por três anos no projeto Teatro na Periferia (voltado a jovens em situação de risco e vulnerabilidade social). Participou do projeto Teatro na Prisão desenvolvido pela Unirio. Fez parte do núcleo de estudos e pesquisas para dramaturgia de novos autores (DNA) no Teatro Dulcina. E atualmente integra a Cia de Teatro Omondé que está em cartaz com o espetáculo A Mentira de Nelson Rodrigues com direção de Inez Viana.
Parabéns Del! Vc vai longe... Me sinto orgulhosa 😘😘😘🙌🙏