Reflexões do Zé em Tempos de Isolamento Social
- Abarca Cultural
- 9 de abr. de 2020
- 4 min de leitura
Atualizado: 11 de abr. de 2020
COLUNA DO ZÉ

No atual momento, em que vivemos uma epidemia global causada pelo coronavírus, Zé Wendell nos traz, na Coluna do Zé, algumas reflexões inspiradas em sua vivência em meio ao isolamento social. A partir de três textos que se desenrolam em um formato poético, Zé aborda questões que envolvem desde a percepção do corpo, passando pela dor da solidão até indagações sobre atos de transformação e fé.
Os textos estão divididos em três blocos.
Boa Leitura a todos!
Aqueles que podem Fiquem em Casa!
(ABarca Cultural )
O CORPO ⠀

Quer gritar
Quer existir
Mas ultimamente anda meio ressabiado.
Está calado, inerte
Anda por ali pelos cantos como que confabulando consigo mesmo em busca de algo.
Acontece que nesse momento o corpo fora isolado, afinal está precisando de alguns reparos.
Parece dor, parece amor.
Mas a verdade é que o único diagnóstico é o da incerteza.
Ele pode estar sofrendo de qualquer coisa, até mesmo de uma leve dor de cabeça.
Portanto, não sinta pena, este corpo só está de quarentena.
Afinal é preciso reinventá-lo
Pois vivia por aí como bicho solto, desencontrado.
E na via do desassossego,
entre o eixo e o desleixo,
tem buscado no silêncio de sua nova rotina
Se livrar daquela sina de corpo abandonado.
Por aqui ele tem alternado, por vezes agitado, ora para lá, ora para cá, falando sobre tudo e sobre todos
Atirando palavras para todos os lados.
Até que de tanto falar acaba novamente calado.
É curioso e contraditório.
Mas não se esqueça: embora não pareça, com certeza ele está bem da cabeça.
É só mais um desses instantes em que os olhos “do cabra” dão aquela revirada para dentro e o que era tormento vira uma espécie de unguento,
que segundo os estudiosos é o melhor tratamento para a cura de qualquer sentimento.
E não tenha dúvida que esse corpo, embora esteja emoldurado na rede, nunca será leiloado!
Pois sofre, mas sofre de outra sede!
Se você olhar bem direitinho e com um pouco de carinho, verá que mais que dois braços, um dorso e uma cabeça, existe aí um monte de coisa sobreposta em camadas expressas, num aglomerado aparentemente básico.
Mas com certeza é só mais um corpo humano tentando ocupar o próprio espaço.
É revolução e guerra. É fogo, mas não é fátuo.
É presente, é passado,
É loucura, é sanidade
É bicho, é homem, é carne
É profano e sagrado
É Deus e já foi até diabo
É dor, é agouro
É ode, é choro
As vezes nó, as vezes laço
Mas no fundo como qualquer outro corpo,
esse só faz gritar:
quero amar
e ser amado.
(Zé Wendell)
SOBRE A ESPERANÇA

A esperança talvez seja o nosso maior exercício de fé
É uma das mágicas humanas mais surpreendentes
É um dos segredos mais recônditos da gente
Não tenho como te explicar,
pois a sua origem, ao mesmo tempo imensurável,
é desconhecida
Para muitos ela só surge na dor,
na ânsia, no torpor
Para outros ela é presença constante
É como um truque da alma
No momento do desespero aparece triunfante
num estalar de dedos
Sempre preparada para socorrer
É talvez a nossa defesa imunológica
mais bem orquestrada
Como o amor a gente só sente não dá para ver
Talvez por isso esqueçamos dela
quase que o tempo todo, diariamente.
Até sermos surpreendidos
por alguma necessidade pungente
Daquelas que rasgam a gente.
Mas não duvide
Por mais que você não acredite
ela só existirá se você for crente
Porque com ela
não existe aquele tal de
“venha aqui imediatamente”
A esperança é a certeza na incerteza
Como te disse, é a fé da gente
Tem jeito de alívio
Sua cara é mansa
e vibra constante
numa frequência de perseverança
Ela não é só a fuga do poeta
Não se engane meu amigo
Ela é luz sobre as trevas.
(Zé Wendell)
O SILÊNCIO

Tentei escrever sobre o silêncio,
mas ele não me disse nada
Parecia que eu estava ouvindo um grito,
mas era um bocado de letra abafada
Não contente, insisti com o danado,
mas ele continuou calado
Talvez não exista
Talvez eu não deva insistir
É que as vezes falo tanto
Que acho que vivo em voz alta
Mas eu gostaria mesmo era de saber
como é que faço para dizer somente o necessário
Quem sabe assim me passaria até por sábio?
Ser eleito um bom moço
daqueles bem equilibrados
De ouvido manso
e boca sempre fechada
Escutar o som dos pássaros,
vibrar com a revoada
E na hora de abrir a boca
para dizer qualquer coisa,
estando certo ou errado,
ter a diligencia de catar cada palavra do meu imaginário
pra na hora “h”,
respirar fundo
e acertar bem no alvo
Mas acontece que na maioria do tempo,
sou mais teimoso que o diacho
Fico tão contrariado que o sangue esquenta dos pés a cabeça
O coração palpita,
a orelha queima,
a língua fica agitada,
que até o pensamento escorrega pela minha frente adiantado
E quando vejo já estou todo emaranhado
Vou lhe dizer
Né por nada não,
mas o negócio é mais infernal que transito de capital
Acabo sempre atrapalhado,
como um tolo falastrão me passando por equivocado
Mas há quem diga que há salvação
Segundo as teorias dos coachings de hoje em dia
É só reprogramar o cérebro,
sair do campo da agonia
Ter um pouco de sabedoria e um tantinho de vergonha na cara
A receita é infalível
Diz que só assim para “o cabra” acabar com qualquer zoada.
(Zé Wendell)

José Wendell Soares é bacharel em Interpretação pelo curso de Artes Cênicas da Unirio-RJ (2004-2009). Atualmente integra a Cia Omondé de Teatro do Rio de Janeiro.
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