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O homem feliz

  • Foto do escritor: Abarca Cultural
    Abarca Cultural
  • 21 de set. de 2019
  • 3 min de leitura

Atualizado: 10 de mar. de 2020

Coluna do Zé

Por: José Wendell



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Foto: copyleft/google images

Nada. Não quero falar sobre nada. Embora falar sobre o nada já é falar sobre alguma coisa. Adoraria parar por aqui, beber um uísque e fumar um cigarro. Mas algo toma conta de mim. Parece um cansaço que se confunde com uma euforia ou coisa assim. Eu poderia me apresentar pra você como o personagem principal dessa história, mas não há história. E eu sou só um anônimo, bem sucedido é verdade, mas anônimo.


Por aqui me chamam "soberano", um sapiens sapiens. E nem sei porque comecei a falar. Aliás, eu não sei exatamente o que falar. Adoraria saber.



Embora já tenha lido muito nessa vida (seja concursado e tenha doutorado), algo em mim está desconectado. A língua está morta. É cada rebordosa que acho que estou perdendo a capacidade de pensar.

Acho que alguma espécie de lobotomia invisível tomou conta. É que ultimamente tenho me dedicado muito à atividade do bom desempenho. Eficácia e eficiência por aqui dão o que falar. No entanto, chega a ser paradoxal: ao mesmo tempo que me sinto livre para jogar tudo para o alto, não consigo desperdiçar o lugar que passei a ocupar. Por aqui é assim. A pressão sanguínea se eleva e você não pode vacilar. Você tem que ser o melhor, brilhante, dar resultados e ainda por cima apostar.

Em contrapartida os tremores diários me abalam fazendo parecer que vou cair, a vista embaça, a boca resseca e os infartos psíquicos insistem em me assustar. Parece que é medo do lado de cá.

A tempestade é forte. A lei é severa: doa a quem doer, custe o que custar. A cabeça pira. Networking, coaching, brainstorming são algumas palavras que é necessário conjugar. Mas para evitar todo esse stress no intervalo do trabalho aderimos a meditação oriental. E o engraçado é que nesses dez anos nunca consegui me concentrar. É que por mais que faça força sinto que não ando nada bem. É como se estivesse meio fora do eixo, como se o mundo fosse se acabar.


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Foto: copyleft/google images

A verdade é que entre meditação e happy hour, prefiro um open bar. No almoço o aconselhável é uma comida vegana. É leve e de fácil absorção. Droga: açúcar ou cocaína. É bom optar! As duas ao mesmo tempo não costumo indicar. Mas o lado bom de tudo isso é que no fim do mês você ganha tanto dinheiro que vira rei.


Ilusão ou não vou e volto todo dia para o trabalho ouvindo música clássica. Desfilo pela Rio Branco de paletó e gravata. Faço todo esse roteiro 365 dias do ano e o curioso é que mesmo acompanhado me sinto o maior dos solitários, embora, e contraditoriamente, seja tão feliz.

Carro, apartamento próprio, férias programadas, perfume importado e meu airpods conectado. E assim tento achar sentido em ser tudo isso diariamente.


É verdade que esteja desgastado. Um pouco embaçado. Já sei. Só um betabloqueador pra ajudar.


E de repente como num milagre a tempestade parece acalmar: olheiras, café, insônia e olha lá, achei até uma tomada para recarregar o celular.


Mas confesso que no fundo o que eu queria mesmo era ligar o “foda-se”, largar toda essa joça, deixar de bossa e com um outro alguém trocar de lugar.






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José Wendell Soares é bacharel em Interpretação pelo curso de Artes Cênicas da Unirio-RJ (2004-2009). Atualmente integra a Cia Omondé de Teatro do Rio de Janeiro.

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