Inferno Astral
- Abarca Cultural
- 5 de set. de 2019
- 2 min de leitura
Atualizado: 10 de mar. de 2020
Coluna do Zé

Por Zé Wendell
Tem dias que parece que você nem existe. Hoje é o dia! Acontece que acordei mais cedo para entrar no facebook e criar um evento para o meu aniversário. Acontece que eu tive que criar uma nova senha para acessar o facebook. Não sei por qual motivo fui bloqueado. Talvez os "defraudadores" estejam hackeando meus dados. Talvez eu esteja errado. Talvez Pepsi.
Enquanto isso eu estou aqui na cama deitado, desenganado da vida e sem coragem para mover sequer o braço. Motivo? Insônia. Ou vida moderna. Ou dia conturbado. Na noite anterior não consegui dormir bem. Táva cheio de pensamentos (me revirando na cama para todos os lados). Quando apaguei já era quase quatro e acordei agora, às seis, meio assustado. Talvez o consumo demasiado dos stories. Talvez a maratona de séries. Ou talvez eu seja realmente sádico porque na minha insônia entre tantos pensamentos não parava de pensar nas declarações de um tal presidente chamado Bolsonaro.

Talvez neurose. Talvez o caos. Talvez tudo junto e misturado num grande acidente de realidade matinal. Talvez eu precise mesmo é pegar o dinheiro das duas rodadas de Chopp (que pretendia pagar para os cretinos dos meus amigos), esquecer essa ideia de comemorar aniversário e ir para um Spa relaxar (enquanto o mundo se acaba em ansiolíticos e TDAH/Transtorno de Déficit de Atenção com Hiperatividade).
Melhor! Talvez eu deva cancelar a comemoração, pegar essa grana e fazer um desses cursos práticos de “reprogramação cerebral” que divulgam na internet. Pensar positivo, exercitar meu otimismo, ignorar a infelicidade da sociedade e virar um milionário da noite para o dia. Igual aquela menina, Bettina de Santa Catarina.
A verdade ou não, é que tudo que eu queria era trocar essa barafunda pela paz e o sucesso de um mundo perfeito. Acordar um pai de família bem-sucedido e equilibrado. Ser só mais um desses homens comuns que vivem um mundo à parte e não estão nem aí para esse bombardeio diário de crimes de ódio, dados pessoais violados, iphone bugado, áudio copiado, direitos humanos ultrajados e fakenews para tudo que é lado.

Apocalipse diário. E enquanto nosso país despenca ladeira abaixo continuo aqui deitado representando o retrato da sociedade do cansaço. Fazendo um esforço danado para largar o facebook, sair desse estado vegetativo e correr meus quatro quilômetros diários. Afinal é preciso valorizar o funcional. E pasmem: numa segunda-feira nublada, início do mês, ainda por cima acabei de lembrar que devo incluir no orçamento a fatura do cartão de crédito estourado.
Não adianta. Por mais que eu tente não passo de um consumista demente. Fico chocado com a minha capacidade de correr como um cão miserável querendo morder o próprio rabo. Às vezes é preciso aceitar a realidade dos fatos, pois o que não tem remédio remediado está. Afinal, como diz o horóscopo “todo esse bode só pode ser inferno astral”.

José Wendelll Soares é bacharel em Interpretação pelo curso de Artes Cênicas da Unirio-RJ (2004-2009). Atualmente integra a Cia Omondé de Teatro do Rio de Janeiro.
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