De superfícies
- Abarca Cultural
- 18 de out. de 2019
- 1 min de leitura
Atualizado: 10 de mar. de 2020
Por Martinho Tota

Ontem, hoje e agora
O vento me embriagou.
Soprou no meu rosto, assanhou meus cabelos,
Conspirou – junto com o sol – contra minha pele.
Como sempre e quase sempre
Cedi, sucumbi e, chorando, sorri,
Como no dia em que atravessei um jardim de cães pretos raivosos
espumando pela boca
loucos para abocanhar biscoitos de naves espaciais.
Considero mais fáceis escolhas difíceis.
Difícil é escolher entre Sartre e saltar do décimo primeiro andar
até cavalgar em manadas de nuvens
(nuvens: casacos de pele para luas e etéreas sereias).
Agora, agora e agora
O calor me devora. E o vapor (sangue evaporado),
E o suor, e o pavor de que a vida morra agora e nasça ontem,
Pavor de que o suor vire cascata,
Vapor de alma fragmentada,
Estilhaçada pela força do álcool e do tabaco.
Em Trinidad e Tobago hei de morrer
pela décima quarta vez.
Minha tez é de bronze e de prata,
E de ouro, quando sob o sol exponho
esboços do meu corpo.
Ontem, hoje e depois,
Muito depois de ontem,
E muito, muito antes de ontem,
Reinei entre elas e eles e elas e outras mais como elas e eles.
Fui rei demais, quase rainha,
E o vento que soprava, retinha,
Em minha retina,
A reta que um dia eu, fariseu,
Haveria de seguir antes de partir
Rumo ao nascimento dele:
Aquele que sou às vezes.

Martinho Tota é graduado em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Campina Grande, tem Mestrado em Sociologia pelo Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal da Paraíba e Doutorado em Antropologia Social pelo Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social/Museu Nacional/Universidade Federal do Rio de Janeiro. Atualmente é professor do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal do Ceará, do Programa Associado de Pós-Graduação em Antropologia (UFC/Unilab).
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